Ano B 4º DOMINGO DO TEMPO COMUM

29-01-2012 00:00

Tema do 4º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 4º Domingo do Tempo Comum garante-nos que Deus não se conforma com os projectos de egoísmo e de morte que desfeiam o mundo e que escravizam os homens e afirma que Ele encontra formas de vir ao encontro dos seus filhos para lhes propor um projecto de liberdade e de vida plena.
A primeira leitura propõe-nos – a partir da figura de Moisés – uma reflexão sobre a experiência profética. O profeta é alguém que Deus escolhe, que Deus chama e que Deus envia para ser a sua “palavra” viva no meio dos homens. Através dos profetas, Deus vem ao encontro dos homens e apresenta-lhes, de forma bem perceptível, as suas propostas.
O Evangelho mostra como Jesus, o Filho de Deus, cumprindo o projecto libertador do Pai, pela sua Palavra e pela sua acção, renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.
A segunda leitura convida os crentes a repensarem as suas prioridades e a não deixarem que as realidades transitórias sejam impeditivas de um verdadeiro compromisso com o serviço de Deus e dos irmãos.

LEITURA I – Deut 18,15-20

Leitura do Livro do Deuteronómio

Moisés falou ao povo, dizendo:
«O Senhor teu Deus fará surgir
no meio de ti, de entre os teus irmãos,
um profeta como eu; a ele deveis escutar.
Foi isto mesmo que pediste ao Senhor teu Deus
no Horeb, no dia da assembleia:
‘Não ouvirei jamais a voz do Senhor meu Deus,
nem verei este grande fogo, para não morrer’.
O Senhor disse-me:
‘Eles têm razão;
farei surgir para eles, do meio dos seus irmãos,
um profeta como tu.
Porei as minhas palavras na sua boca
e ele lhes dirá tudo o que Eu lhe ordenar.
Se alguém não escutar as minhas palavras
que esse profeta disser em meu nome,
Eu próprio lhe pedirei contas.
Mas se um profeta tiver a ousadia
de dizer em meu nome o que não lhe mandei,
ou de falar em nome de outros deuses,
tal profeta morrerá’».

AMBIENTE

O Livro do Deuteronómio é aquele “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém no 18º ano do reinado de Josias (622 a.C.) (cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão). A finalidade fundamental dos catequistas deuteronomistas é levar o Povo de Deus a um compromisso firme e exigente com a Lei de Deus, proclamada no Sinai. É um convite firme ao Povo de Deus no sentido de abraçar a Aliança com Jahwéh e de viver na fidelidade aos compromissos assumidos.
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44-28,68). Trata-se de um texto que integra um conjunto legislativo sobre as estruturas de governo do Povo de Deus (cf. Dt 16,18-18,22). Em concreto, o nosso texto refere-se ao papel e ao significado do profetismo.
O fenómeno profético não é exclusivo de Israel, mas é um fenómeno relativamente conhecido entre os povos do Crescente Fértil. Entre os cananeus, os movimentos proféticos apareciam com relativa frequência, normalmente ligados à adivinhação, ao êxtase, a convulsões, a delírios (habitualmente provocados por instrumentos sonoros, gritos, danças, etc.). A multiplicidade de experiências proféticas obriga, exactamente, a pôr o problema do discernimento entre a verdadeira e a falsa profecia… O que é que caracteriza o verdadeiro profeta? Quando é que um profeta fala, realmente, em nome de Deus? Este problema devia pôr-se, particularmente, no Reino do Norte, na época de Acab (874-853 a.C.) e de Jezabel, quando os profetas de Baal dominavam. As tradições sobre o profeta Elias (cf. 1 Re 17-2 Re 13,21) traçam esse quadro de confronto diário entre a verdadeira e a falsa profecia.
O catequista deuteronomista refere-se, precisamente, a esta questão. Ele apresenta, aqui, o quadro do verdadeiro profeta, oferecendo assim ao seu povo os critérios para distinguir o verdadeiro do falso profeta.

MENSAGEM

Para os teólogos deuteronomistas, Moisés é o exemplo e o modelo do verdadeiro profeta. O que é que isso significa?
Significa, em primeiro lugar, que na origem e no centro da vocação de Moisés está Deus. Não foi Moisés que se candidatou à missão profética, por sua iniciativa; não foi Moisés que conquistou, pelas suas acções ou pelas suas qualidades, o “direito” a ser “profeta”. A iniciativa foi de Deus que, de forma gratuita, o escolheu, o chamou e o enviou em missão. Se Moisés foi designado para ser um sinal de Jahwéh, foi porque Deus assim o quis. A consagração do “profeta” resulta de uma acção gratuita de Deus que, de acordo com critérios muitas vezes ilógicos na perspectiva dos homens, escolhe aquela pessoa em concreto, com as suas qualidades e defeitos, para o enviar aos seus irmãos.
Em segundo lugar, Moisés disse sempre e testemunhou sempre as palavras que Deus lhe colocou na boca e que lhe ordenou que dissesse. A mensagem transmitida não era a mensagem de Moisés, mas a mensagem de Deus. O verdadeiro profeta não é aquele que transmite uma mensagem pessoal, ou que diz aquilo que os homens gostam de ouvir; o verdadeiro profeta é aquele que, com coragem e frontalidade, testemunha fielmente as propostas de Deus para os homens e para o mundo.
As palavras do profeta devem ser cuidadosamente escutadas e acolhidas, pois são palavras de Deus. O próprio Deus pedirá contas a quem fechar os ouvidos e o coração aos desafios que Deus, através do profeta, apresenta ao mundo.

ACTUALIZAÇÃO

A vocação profética é uma vocação que surge por iniciativa de Deus. Ninguém é profeta por escolha própria, mas porque Deus o chama. O profeta tem de ter consciência, antes de mais, que é Deus quem está por detrás da sua escolha e do seu envio. O profeta não pode assumir uma atitude de arrogância e de auto-suficiência, mas tem de se sentir um instrumento humilde através do qual Deus age no mundo.

Ao tomar consciência de que é apenas um instrumento através do qual Deus age no meio da comunidade humana, o profeta descobre a necessidade de levar muito a sério a missão que lhe foi confiada. O testemunho profético não é um passatempo ou um compromisso para as horas vagas; está fora de causa o cruzar os braços e deixar correr. Trata-se de um compromisso que deve ser assumido e vivido com fidelidade absoluta e total empenho.

Se o profeta é designado para tornar presente no meio dos homens o projecto de Deus, ele não pode utilizar a missão em benefício próprio; não deve ceder à tentação de se vender aos poderes do mundo e pactuar com eles, a fim de concretizar a sua sede de poder e de protagonismo, não pode “vender a alma ao diabo” para daí tirar algum benefício, não deve utilizar o seu ministério para se exibir, para ser admirado, para conseguir sucesso, para promover a sua imagem e obter os aplausos das multidões. A missão profética tem de estar sempre ao serviço de Deus, dos planos de Deus, da verdade de Deus, e não ao serviço de esquemas pessoais, interesseiros e egoístas.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 94 (95)

Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
não fecheis os vossos corações.

Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
aclamemos a Deus, nosso Salvador.
Vamos à sua presença e dêmos graças,
ao som de cânticos aclamemos o Senhor.

Vinde, prostremo-nos em terra,
adoremos o Senhor que nos criou;
pois Ele é o nosso Deus
e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

Quem dera ouvísseis hoje a sua voz:
«Não endureçais os vossos corações,
como em Meriba, como no dia de Massa no deserto,
onde vossos pais Me tentaram e provocaram,
apesar de terem visto as minhas obras».


LEITURA II – 1 Cor 7,32-35

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

Irmãos:
Não queria que andásseis preocupados.
Quem não e casado preocupa-se com as coisas do Senhor,
com o modo de agradar ao senhor.
Mas aquele que se casou preocupa-se com as coisas do mundo,
com a maneira de agradar à esposa,
e encontra-se dividido.
Da mesma forma, a mulher solteira e a virgem
preocupam-se com os interesses do Senhor,
para serem santas de corpo e espírito.
Mas a mulher casada preocupa-se com as coisas do mundo,
com a forma de agradar ao marido.
Digo isto no vosso próprio interessa
e não para vos armar uma cilada.
Tenho em vista o que mais convém
e vos pode unir ao Senhor sem desvios.

AMBIENTE

A comunidade cristã de Corinto é uma comunidade tipicamente grega, que mergulha as suas raízes numa cultura-ambiente marcada por grandes contradições. As diversas escolas filosóficas que existiam na cidade (e um pouco por todo o mundo grego) tinham perspectivas muito diversas sobre o sentido da vida e sobre a forma de chegar à felicidade e à realização plena. As propostas de caminho apresentadas por essas escolas eram, frequentemente, divergentes e mesmo opostas.
Um dos sectores onde se nota, particularmente, esse balançar entre caminhos opostos, é nas questões de ética sexual. Neste âmbito, a cultura coríntia oscilava entre dois extremos: por um lado, um grande laxismo (como era normal numa cidade marítima, onde chegavam marinheiros de todo o mundo e onde reinava Afrodite, a deusa grega do amor); por outro lado, um desprezo absoluto pela sexualidade (típico de certas tendências filosóficas influenciadas pela filosofia platónica, que consideravam a matéria um mal e que faziam do não casar um ideal absoluto).
O desejo de Paulo é o de apresentar um caminho equilibrado, face a estes exageros: condenação sem apelo de todas as formas de desordem sexual, defesa do valor do casamento, elogio do celibato (cf. 1 Cor 7).
Provavelmente, os coríntios tinham consultado Paulo acerca do melhor caminho a seguir – o do matrimónio ou o do celibato. Paulo responde à questão no capítulo 7 da Primeira Carta aos Coríntios (de onde é retirado o texto da nossa segunda leitura). Paulo considera que não tem, a este propósito, “nenhum preceito do Senhor”; no entanto, o seu parecer é que quem não está comprometido com o casamento deve continuar assim e quem está comprometido não deve “romper o vínculo” (1 Cor 7,25-28). Na perspectiva de Paulo, os cristãos não devem esquecer que “o tempo é breve”, quando tiverem que fazer as suas opções – nomeadamente, quando tiverem que fazer a sua escolha entre o casamento ou o celibato.

MENSAGEM

Paulo reconhece que, quem não é casado tem mais tempo e disponibilidade para se preocupar “com as coisas do Senhor” (vers. 32b) e para agradar ao Senhor. Quem é casado tem de atender às necessidades da família e de dividir a sua atenção por uma série de realidades ligadas à vida do dia a dia; quem não é casado pode responder aos desafios de Deus e gastar a sua vida ao serviço do projecto de Deus sem quaisquer condicionalismos ou limitações.
Paulo estará, aqui, a desvalorizar a vida conjugal e a sexualidade? Estará a dizer que o matrimónio é um caminho a evitar, ou é um caminho que afaste de Deus? De modo nenhum. Para Paulo, o casamento é uma realidade importante (ele considera que tanto o casamento como o celibato são dons de Deus – cf. 1 Cor 7,7); mas não deixa de ser uma realidade terrena e efémera, que não deve, por isso, ser absolutizada. Paulo nunca diz que o casamento seja uma realidade má ou um caminho a evitar; contudo, é evidente, nas suas palavras, uma certa predilecção pelo celibato… Na sua perspectiva, o celibato leva vantagem enquanto caminho que aponta para as realidades eternas: anuncia a vida nova de ressuscitados que nos espera, ao mesmo tempo que facilita um serviço mais eficaz a Deus e aos irmãos.
Na verdade, as palavras de Paulo fazem sentido em todos os tempos e lugares; mas elas tornam-se mais lógicas se tivermos em conta o ambiente escatológico que se respirava nas primeiras comunidades. Para os crentes a quem a Primeira Carta aos Coríntios se destinava, a segunda e definitiva vinda de Jesus estava iminente; era preciso, portanto, preocupar-se com as coisas de Deus e relativizar as realidades transitórias e efémeras, entre as quais se contava o casamento.

ACTUALIZAÇÃO

Por detrás das afirmações que Paulo faz no texto que nos é proposto como segunda leitura, está a convicção de que as realidades terrenas são passageiras e efémeras e não devem, em nenhum caso, ser absolutizadas. Não se trata de propor uma evasão do mundo e uma espiritualidade descarnada, insensível, alheia ao amor, à partilha, à ternura; mas trata-se de avisar que as realidades desta terra não podem ser o objectivo final e único da vida do homem. Esta reflexão convida-nos a repensarmos as nossas prioridades, e a não ancorarmos a nossa vida em realidades transitórias.

A virgindade consagrada, por amor do Reino, nem sempre é um valor compreendido, à luz dos valores da nossa sociedade. Paulo, contudo, sublinha o valor da virgindade como valor autêntico, pois anuncia o mundo novo que há-de vir e disponibiliza para o serviço de Deus e dos irmãos. É sinal de desprendimento, de doação, de disponibilidade e deve ser positivamente valorizada. Aqueles que são chamados a viver dessa forma não são gente estéril e infeliz, alheia às coisas bonitas da vida, mas são pessoas generosas, que renunciaram a um bem (o matrimónio) em vista da sua entrega a Deus e aos outros.


ALELUIA – Mt 4,16

Aleluia. Aleluia.

O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz;
para aqueles que habitavam na sombria região da morte
uma luz se levantou.

EVANGELHO – Mc 1,21-28

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Jesus chegou a Cafarnaum
e quando, no sábado seguinte, entrou na sinagoga
e começou a ensinar,
todos se maravilhavam com a sua doutrina,
porque os ensinava com autoridade
e não como os escribas.
Encontrava-se na sinagoga um homem com um espírito impuro,
que começou a gritar:
«Que tens Tu a ver connosco, Jesus Nazareno?
Vieste para nos perder?
Sei quem Tu és: o Santo de Deus».
Jesus repreendeu-o, dizendo:
«Cala-te e sai desse homem».
O espírito impuro, agitando-o violentamente,
soltou um forte grito e saiu dele.
Ficaram todos tão admirados, que perguntavam uns aos outros:
«Que vem a ser isto?
Uma nova doutrina, com tal autoridade,
que até manda nos espíritos impuros e eles obedecem-Lhe!»
E logo a fama de Jesus se divulgou por toda a parte,
em toda a região da Galileia.

AMBIENTE

A primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30) tem como objectivo fundamental levar à descoberta de Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que é mais catequético do que geográfico, os leitores do Evangelho são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a fazerem-se discípulos que aderem à sua proposta de salvação/libertação. Este percurso de descoberta do Messias que o catequista Marcos nos propõe termina em Mc 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe (que é, evidentemente, a confissão que se espera de cada crente, depois de ter acompanhado o percurso de Jesus a par e passo): “Tu és o Messias”.
O texto que nos é hoje proposto aparece, exactamente, no princípio desta caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Rodeado já pelos primeiros discípulos, Jesus começa a revelar-Se como o Messias-libertador, que está no meio dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.
A cena situa-nos em Cafarnaum (em hebraico Kfar Nahum, a “aldeia de Naum”), a cidade situada na costa noroeste do Lago Kineret (o Mar da Galileia). De acordo com os Evangelhos Sinópticos, é aí que Jesus se vai instalar durante o tempo do seu ministério na Galileia. Vários dos discípulos – Simão e seu irmão André, Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João – viviam em Cafarnaum.

MENSAGEM

É um sábado. A comunidade está reunida na sinagoga de Cafarnaum para a liturgia sinagogal. Jesus, recém-chegado à cidade, entra na sinagoga – como qualquer bom judeu – para participar na liturgia sabática. A celebração comunitária começava, normalmente, com a “profissão de fé” (cf. Dt 6,4-9), a que se seguiam orações, cânticos e duas leituras (uma da Torah e outra dos Profetas); depois, vinha o comentário às leituras e as bênçãos. É provável que Jesus tivesse sido convidado, nesse dia, para comentar as leituras feitas. Fê-lo de uma forma original, diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir aos “escribas” (os estudiosos das Escrituras). As pessoas ficaram maravilhadas com as palavras de Jesus, “porque ensinava com autoridade e não como os escribas” (vers. 22). A referência à autoridade das palavras de Jesus pretende sugerir que Ele vem de Deus e traz uma proposta que tem a marca de Deus.
A “autoridade” que se revela nas palavras de Jesus manifesta-se, também, em acções concretas (como se a “autoridade” das palavras tivesse de ser caucionada pela própria acção). Na sequência das palavras ditas por Jesus e que transmitem aos ouvintes um sinal inegável da presença de Deus, aparece em cena “um homem com um espírito impuro”. Os judeus estavam convencidos que todas as doenças eram provocadas por “espíritos maus” que se apropriavam dos homens e os tornavam prisioneiros. As pessoas afectadas por esses males deixavam de cumprir a Lei (as normas correctas de convivência social e religiosa) e ficavam numa situação de “impureza” – isto é, afastadas de Deus e da comunidade. Na perspectiva dos contemporâneos de Jesus, esses “espíritos maus” que afastavam os homens da órbita de Deus tinham um poder absoluto, que os homens não podiam, com as suas frágeis forças, ultrapassar. Acreditava-se que só Deus, com o seu poder e autoridade absolutos, era capaz de vencer os “espíritos maus” e devolver aos homens a vida e a liberdade perdidas.
Numa encenação com um singular poder evocador, Marcos põe o “espírito mau” que domina “um homem” presente na sinagoga, a interpelar violentamente Jesus. Sugere-se, dessa forma, que diante da proposta libertadora que Jesus veio apresentar, em nome de Deus, os “espíritos maus” responsáveis pelas cadeias que oprimem os homens ficam inquietos, pois sentem que o seu poder sobre a humanidade chegou ao fim. A acção da cura do homem “com um espírito impuro” constitui “a prova provada” de que Jesus traz uma proposta de libertação que vem de Deus; pela acção de Jesus, Deus vem ao encontro do homem para o salvar de tudo aquilo que o impede de ter vida em plenitude.
Para Marcos, este primeiro episódio é uma espécie de apresentação de um programa de acção: Jesus veio ao encontro dos homens para os libertar de tudo aquilo que os faz prisioneiros e lhes rouba a vida. A libertação que Deus quer oferecer à humanidade está a acontecer. O “Reino de Deus” instalou-se no mundo. Jesus, cumprindo o projecto libertador de Deus, pela sua Palavra e pela sua acção, renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.

ACTUALIZAÇÃO

O “homem com um espírito impuro” representa todos os homens e mulheres, de todas as épocas, cujas vidas são controladas por esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de medo, de exploração, de exclusão, de injustiça, de ódio, de violência, de pecado. É essa humanidade prisioneira de uma cultura de morte, que percorre um caminho à margem de Deus e das suas propostas, que aposta em valores efémeros e escravizantes ou que procura a vida em propostas falíveis ou efémeras. O Evangelho de hoje garante-nos, porém, que Deus não desistiu da humanidade, que Ele não Se conforma com o facto de os homens trilharem caminhos de escravidão, e que insiste em oferecer a todos a vida plena.

Para Marcos, a proposta de Deus torna-se realidade viva e actuante em Jesus. Ele é o Messias libertador que, com a sua vida, com a sua palavra, com os seus gestos, com as suas acções, vem propor aos homens um projecto de liberdade e de vida. Ao egoísmo, Ele contrapõe a doação e a partilha; ao orgulho e à auto-suficiência, Ele contrapõe o serviço simples e humilde a Deus e aos irmãos; à exclusão, Ele propõe a tolerância e a misericórdia; à injustiça, ao ódio, à violência, Ele contrapõe o amor sem limites; ao medo, Ele contrapõe a liberdade; à morte, Ele contrapõe a vida. O projecto de Deus, apresentado e oferecido aos homens nas palavras e acções de Jesus, é verdadeiramente um projecto transformador, capaz de renovar o mundo e de construir, desde já, uma nova terra de felicidade e de paz. É essa a Boa Nova que deve chegar a todos os homens e mulheres da terra.

Os discípulos de Jesus são as testemunhas da sua proposta libertadora. Eles têm de continuar a missão de Jesus e de assumir a mesma luta de Jesus contra os “demónios” que roubam a vida e a liberdade do homem, que introduzem no mundo dinâmicas criadoras de sofrimento e de morte. Ser discípulo de Jesus é percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu e lutar, se necessário até ao dom total da vida, por um mundo mais humano, mais livre, mais solidário, mais justo, mais fraterno. Os seguidores de Jesus não podem ficar de braços cruzados, a olhar para o céu, enquanto o mundo é construído e dirigido por aqueles que propõem uma lógica de egoísmo e de morte; mas têm a grave responsabilidade de lutar, objectivamente, contra tudo aquilo que rouba a vida e a liberdade ao homem.

O texto refere o incómodo do “homem com um espírito impuro”, diante da presença libertadora de Jesus. O pormenor faz-nos pensar nas reacções agressivas e intolerantes – por parte daqueles que pretendem perpetuar situações de injustiça e de escravidão – diante do testemunho e do anúncio dos valores do Evangelho. Apesar da incompreensão e da intolerância de que são, por vezes, vítimas, os discípulos de Jesus não devem deixar-se encerrar nas sacristias, mas devem assumir corajosamente e de forma bem visível o seu empenho na transformação das realidades políticas, económicas, sociais, laborais, familiares.

A luta contra os “demónios” que desfeiam o mundo e que escravizam os homens nossos irmãos é sempre um processo doloroso, que gera conflitos, divisões, sofrimento; mas é, também, uma aventura que vale a pena ser vivida e uma luta que vale a pena travar. Embarcar nessa aventura é tornar-se cúmplice de Deus na construção de um mundo de homens livres.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 4º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. PALAVRA DE VIDA.
Os ouvintes de Jesus estavam habituados a receber ensinamentos. A diferença que fazem entre o ensino de Jesus e o dos escribas e fariseus é que Jesus ensina como homem que tem autoridade. Eles sentem que a sua palavra não é dita de cor, mas pronunciada do coração para atingir o coração. Será necessário tempo para que eles descubram que esta palavra vem do coração de Deus. O espírito mau sabe quem é Jesus – o Santo de Deus – e reconhece a sua autoridade: Jesus veio para vencer as forças do Mal. Compreendemos a admiração da multidão, que já não tem mais medo porque, no seu meio, ergue-se o Salvador que fala e age. Tal é a sua verdadeira autoridade: Ele vem fazer uma nova criação: como na manhã do mundo, Ele diz e tudo é criado. Compreendemos então que o seu nome se espalhe em toda a Galileia. E se nós espalhássemos o seu nome? Com efeito, ainda hoje Ele diz e Ele age.

3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Que fazemos da Palavra? Por duas vezes, Marcos chama a nossa atenção para o ensino de Jesus, feito “com autoridade”. As multidões são atingidas: esta palavra é verdadeiramente diferente das dos escribas. Estes últimos eram, na realidade, repetidores que apenas rediziam a Lei, triturando-a de mil maneiras, disputando sobre o sentido de cada palavra, acabando por diluir a Palavra de Deus nas suas argúcias. Jesus anuncia uma palavra nova, uma palavra de “autoridade”. Trata-se de uma palavra que faz crescer, que está ao serviço do crescimento do ser e da vida. É o sentido da ordem de Jesus ao espírito mau: “Silêncio! Sai deste homem!” Jesus veio para que os homens “tenham a vida e a tenham em abundância”. A sua autoridade é unicamente um poder de vida e não de morte. Os escribas acabavam por esterilizar a Lei. Jesus liberta-a de toda a carcaça para fazer dela uma Palavra criadora de vida. E nós, em Igreja, que fazemos desta Palavra? Muitas vezes, transformamos as palavras do Evangelho em tantos preceitos morais, jurídicos, que enfermam as consciências culpabilizando-as, em lugar de fazermos apelos ao Espírito de liberdade que nos quer colocar de pé, fazer de nós seres vivos.

4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Encontros com o Senhor… Os nossos dias, a nossa semana, podem ser pontuadas com encontros, mesmo curtos, com o Senhor: momentos de oração (sozinhos, em casal, em família, em comunidade), celebrações na paróquia, momentos de meditação da Palavra de Deus; e gestos e encontros para servir os mais pequenos. Agradar ao Senhor, colocando o nosso quotidiano sob o seu olhar: fazer o ponto da situação, em cada noite, com Ele.


UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
Proposta para
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P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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