Conferência de D. Manuel Clemente sobre 'A formação cristã na Diocese de Lisboa'

18-10-2013 19:16
1.O Programa do Patriarcado de Lisboa para 2013-2014, com o lema “A fé atua pela caridade”, inclui com destaque os objetivos gerais do Instituto Diocesano da Formação Cristã. E as minhas primeiras palavras são de agradecimento e incentivo ao Senhor Cónego António Janela, à direção e aos colaboradores do Instituto, tão relevante na Diocese.
 
Importa recordar os objetivos enunciados: «Coordenar e fomentar a formação cristã integral do laicado e de quantos têm interesse no conhecimento da fé cristã e da doutrina da Igreja, em interligação com todos os departamentos da Cúria Diocesana e outras instâncias que na Diocese têm responsabilidades formativas; possibilitar que a formação teológica, espiritual e pastoral, permanente e específica, esteja ao alcance de todos os que trabalham como agentes de pastoral e/ou desejem cooperar nas diversas tarefas eclesiais; dinamizar a pesquisa, o estudo e a avaliação de diferentes iniciativas no âmbito da vida diocesana; contribuir para a formação de uma consciência cristã capaz de fazer uma leitura crítica, responsável e interventiva da atualidade; descentralizar as iniciativas formativas».
 
Detenhamo-nos no primeiro item: o Instituto propõe-se «coordenar e fomentar a formação cristã». O principal da frase é a própria formação cristã, geral e aplicada. O ponto é de suma importância e atualidade, porque a formação, quer em sentido teológico e existencial, quer em sentido pedagógico e situado, é hoje uma necessidade acrescida.
 
2. Em sentido teológico e existencial, porque a construção e reconstrução das nossas vidas na conformação com Cristo e por ação do seu Espírito é o único significado que o tempo de cada um pode ganhar. E todo o percurso autenticamente “cristão” – em que esta palavra passe de adjetivo a substantivo – é realmente interminável, pois que em Cristo se unem toda terra e todo o céu.
 
Terra e céu, humanidade e divindade que só a pouco e pouco se desvendam, como o próprio Cristo enunciou: «Tenho muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender por agora. Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há de guiar-vos para a Verdade completa. Ele não falará por si próprio, mas há de dar-vos a conhecer quanto ouvir e anunciar-vos o que há de vir. Ele há de manifestar a minha glória, porque receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer. Tudo o que o Pai tem é meu; por isso é que Eu disse: “Receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer”» (Jo 16, 12-15).
 
Sabemos, os cristãos, que em Cristo se resume todo o passado – mesmo o “antes de Cristo” que ainda hoje persiste -, como se oferece todo o futuro, até que a sua vida ressuscitada e ressuscitadora impregne e transfigure a vida inteira dum mundo que só paulatinamente se desdobra. Assim acontece na vida de cada um de nós, em permanente conversão a Cristo por ação do Espírito, que não permite que O esqueçamos. É também por isso que o grande Formador é o Espírito Santo, nunca por demais invocado.
 
E, porque o sabemos, mantemo-nos em disponibilidade ativa para uma formação constante, lendo os sucessivos “sinais do tempo”, como quem lê e interpreta nas diversas situações outros tantos apelos do mundo e outras tantas respostas que Cristo lhe quer dar. E assim mesmo as dará através do corpo eclesial onde a sua obra continua e de algum modo se amplia, permanecendo essencialmente sua. Como também disse: «Quem crê em mim, também fará as obras que eu realizo; e fará obras maiores do que estas [quantitativa, não qualitativamente falando], porque eu vou para o Pai, e o que pedirdes em meu nome eu o farei, de modo que no Filho se manifeste a glória do Pai. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei». (Jo 14, 12-14).
 
É fundamental recordarmos estas indicações evangélicas para melhor percebermos a densidade e a exigência da “formação cristã”, para cada um de nós e no tempo em que vivemos. E isto, face às “alegrias e esperanças, tristezas e angústias” que compartilhamos com os nossos contemporâneos, como tão propriamente o enunciou o Concílio Vaticano II (Gaudium et Spes, 1), cujo cinquentenário o Instituto Diocesano tem presente na sua programação.
 
3. É este o sentido forte da formação cristã, que qualifica e condiciona o objetivo enunciado de a “coordenar e fomentar”. Na verdade, sendo essencialmente uma ação do Espírito, para que a obra de Cristo progrida na história através dos seus, ela antecede e extravasa o que por nós próprios poderíamos prever ou concentrar.
 
Passa-se com qualquer serviço diocesano o mesmo que acontece numa Igreja particular ou local, que outra coisa não é senão a “localização” de tudo o que o Espírito carismaticamente concede e ministerialmente concretiza para a vitalização do corpo eclesial de Cristo, para glória do Pai e feliz realização do mundo. Só em sentido secundário podemos “coordenar”, enquanto discernimos e acolhemos eclesialmente os dons do Espírito para continuar a “levar a Boa Nova aos pobres”, de todas as pobrezas, as de sempre e as de agora.
 
E o mesmo se diga quanto ao “fomentar” ações formativas, que, por iniciativa própria do Instituto Diocesano ou provindas de outras instâncias que na Diocese se localizam também, embora não exclusivamente, integram o conjunto. O Instituto Diocesano de Formação Cristã, entende-se como mesa larga de acolhimento, partilha e avanço de quanto o Espírito nos ofereça, para todos crescermos no conhecimento e testemunho de Cristo e do seu Evangelho.
 
É esta amplidão formativa que o Instituto reconhece, aproxima e fomenta. Daqui que não possa deixar de atender – como efetivamente não deixa - ao que a Igreja propõe em dimensões convergentes. Exemplificando apenas: – Como poderia esquecer que concluímos um universal Ano da Fé, tão bem assinalado pela encíclica Lumen Fidei, de receção indispensável? - Como poderia alhear-se das indicações da última assembleia sinodal sobre a Nova Evangelização e da respetiva exortação pós-sinodal a breve prazo? Ou da Nota Pastoral da CEP intitulada “Promover a renovação da pastoral a Igreja em Portugal”, de abril último, que indicou às Dioceses portuguesas sete “rumos” nesse sentido, sendo um deles “fomentar iniciativas de iniciação cristã e de formação”?
 
4. É este “rumo” que a Nota Pastoral apresenta assim: «É notório que, no mundo em que nos é dado viver, os indicadores que sinalizam os caminhos para a fé se encontram cada vez mais rarefeitos, sendo maiores as dificuldades sentidas no seio da família e das organizações eclesiais para a transmissão da fé às novas gerações. Impõe-se, portanto uma aposta mais intensa e dinâmica na iniciação cristã das crianças e jovens, bem como no catecumenato dos adultos. Prioritária é também a formação da vivência cristã de todos, particularmente dos agentes pastorais e dos líderes cristãos, que os leve a preparar-se, cada vez mais e melhor, para a missão e a nela se empenhar».
 
Isto diz a Nota Pastoral. E muito em coincidência, diz outro objetivo do Instituto Diocesano da Formação Cristã, propondo-se «contribuir para a formação de uma consciência cristã capaz de fazer uma leitura crítica, responsável e interventiva da atualidade».
 
Com isto mesmo atingimos o essencial da formação, ou seja, o seu resultado pessoal e eclesial, a favor dum mundo que o Concílio nos ensinou a olhar com mais compromisso. Como ressoam atualíssimas as palavras de João XXIII na constituição apostólica Humanae Salutis, em que o convocou: «A Igreja tem consciência hoje, da grave crise que aflige a sociedade humana. E quando a comunidade dos homens entra numa ordem nova, pesam sobre a Igreja obrigações de uma gravidade e amplitude imensas como nas épocas mais trágicas da sua história. Trata-se, na verdade, de pôr o mundo moderno em contacto com as energias vivificadores e perenes do Evangelho…» (HS, 3).
 
Nada menos do que isto visa a formação cristã, de consequência necessariamente evangelizadora e missionária. Ou, como pretende o nosso programa diocesano, atuar a fé pela caridade.    
 
+ Manuel Clemente
Lisboa, 17 de novembro de 2013