VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA - Homilia de D. José Policarpo
31-03-2013 10:50
“Só em Vigília se pode celebrar a Páscoa”
1. Só em Vigília se pode celebrar a Páscoa. Não se trata, apenas, de recordar um acontecimento isolado do passado: a morte e ressurreição de Cristo. Trata-se de celebrar a nossa Páscoa, da Igreja e da humanidade, até mergulhar a nossa vida e a nossa história na morte e ressurreição de Cristo. O Papa Bento XVI, neste Ano da Fé, convidou-nos a transpor decididamente a “Porta da Fé”, que nos abre um caminho novo, convidando-nos a percorrê-lo. É a peregrinação da fé. Nesse caminho havemos de sentir, já neste mundo, a alegria da ressurreição, aprofundando em nós o desejo de um dia penetrarmos no santuário celeste, contemplando face a face o rosto de Deus que nos ama no Seu Filho imolado e ressuscitado. Não há verdadeira celebração da Páscoa sem desejo de eternidade.
2. Nesta liturgia da Vigília evocam-se todas as formas e todas as etapas desta peregrinação, até sentirmos a alegria pascal que nos faz desejar a eternidade.
Antes de mais, longa peregrinação da humanidade. No sexto dia da Criação, Deus criou o Homem como rei do universo, numa harmonia, sempre a aprofundar, entre o homem e o universo. Criou-o homem e mulher, na complementaridade de dois seres, iguais e distintos. Deus imprimiu a Sua Imagem. Criou-os livres, pois a liberdade é uma condição essencial para o amor. Também o homem quis ser como Deus. E sempre que o homem desconhece a Senhoria de Deus, acaba por desconhecê-l’O ou mesmo nega-l’O.
Esta Vigília não esquece essa dolorosa peregrinação da humanidade, dramática nos tempos que vivemos. A liturgia convida-nos, em noite de Páscoa, a olhar a humanidade com a esperança que a Páscoa de Jesus introduziu na História. Todas as religiões, o diálogo cultural sincero, profundo e honesto, devem convergir numa nova sabedoria: Deus não é um pormenor da religiosidade pessoal; é o elemento decisivo da verdade da Criação e da humanidade.
3. A peregrinação do Povo escolhido. Depois do pecado, só com a experiência do Deus amor, a humanidade recuperaria o verdadeiro sentido do seu peregrinar no tempo. Desde Abraão até Jesus Cristo, o amor de Deus manifestado na Palavra amorosa e nos acontecimentos salvíficos, orientam para Jesus Cristo e criam o desejo de alcançar um dia a terra prometida. Não foi uma caminhada fácil a deste povo escolhido. Sofreram exílios, atravessaram desertos, foram dominados por impérios deste mundo, fragilizaram o seu próprio caminhar com a sua infidelidade. Não foram muitos os que, no ponto de chegada, tiveram a alegria de reconhecer a expressão máxima do amor de Deus, o seu Verbo eterno feito Homem, o ungido do Senhor. Traço contínuo desta longa peregrinação, foi a fidelidade amorosa de Deus, sentindo que era mais exigente salvar, transformando um povo infiel, do que criar do nada. Mas Ele quer que o Seu amor seja uma nova criação.
4. A peregrinação da Igreja. Esta é a peregrinação da fé. Começa no encontro com Jesus Cristo, quando escutámos a sua Palavra, sentimos a alegria da Sua ressurreição, cultivámos o desejo de contemplar o Seu rosto, na Casa do Pai. Uma primeira etapa desta peregrinação é a dos catecúmenos, desde o momento em que acreditaram em Jesus até àquele momento em que, acompanhados pela Igreja, mergulham na Sua morte e ressurreição, aceitando encetar o caminho definitivo, que durará toda a sua vida e que percorrerão em Igreja.
Para todos os baptizados, confirmados pela graça do Espírito Santo, esta peregrinação é a busca da santidade, viver com Cristo e como Cristo deseja, anunciá-l’O ao mundo, não apenas pela sua palavra, mas pelo testemunho da sua vida. É um caminho de humildade e de verdade, abrindo-se à misericórdia de Deus, que perdoa e restaura. O Papa Francisco lembrou-nos que Deus nunca se cansa de perdoar, nós é que podemos cansar-nos de Lhe pedir perdão.
A Eucaristia é a nossa festa e o nosso alimento, o sacramento da reconciliação a nossa força, o amor a expressão espontânea da nossa liberdade. Vivemos já dos valores definitivos, embora não os possuamos ainda, definitivamente. Vivemos o tempo presente sabendo que ele anuncia o tempo definitivo.
Esta Vigília contempla todas as etapas da peregrinação da humanidade. Nós temos a alegria de acreditar em Cristo ressuscitado e de fazer do nosso “Aleluia” a exultação da História. A verdade da nossa fé e da nossa alegria ajudará todos os homens, nossos irmãos, a encontrarem a grandeza da sua existência.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
Sé Patriarcal, 30 de Março de 2013